A ADIAFA
O senhor João da Guilhermina todos os anos acolhia um rancho de homens, mulheres e crianças num grande barracão que servia de dormitório e de cozinha àquela gente, vinda de lá detrás das serras para a apanha da azeitona e a quem os da Louriceira apelidavam de serranhos.
Gente indiferente ao frio e à chuva, trabalhadores incansáveis e humildes a quem o patrão apontava como exemplo aos outros rurais da aldeia.
O patrão tinha uma loja que vendia de tudo, das albardas aos alfinetes, do pão ao açúcar e aquela gente deixava na sua mercearia muito mais de metade da sua féria.
À noite, depois da ceia, havia sempre um bailarico, ao som duma concertina dedilhada por um serranho e alumiada por um ou dois gasómetros. Os da terra juntavam-se-lhes e dançavam também. As tabernas e as lojas, depois do sol-posto, eram animadas com a algazarra dos forasteiros. Aquela gente emprestava ao burgo um movimento desusado e alegre.
Terminada a apanha da azeitona, que durava quase sempre dois ou três meses, o rancho despedia-se do patrão e dos louriceirenses, de quem já eram amigos, percorrendo as ruas da aldeia empunhando um mastro muito bem ornamentado com verduras, fitinhas bandeiras de papel colorido e outras bugigangas, encimado por um ramo de oliveira com azeitonas, lançando foguetes, dançando aqui e ali ao som da concertina e das cantigas da sua região: "Eu hei-de ir, eu hei-de ir não sei p'ra onde/ Eu hei-de ir p'ra trás da serra/ por onde o sol se esconde.
À tardinha, que seria a última, era servido o jantar do porco que o patrão tinha mandado matar na véspera, acompanhado de vinho a fartar que alegrava, ainda mais, aqueles rostos. Era a adiafa.
A noite era curta e o sono profundo. Era preciso abalar bem cedo.
No próximo ano estariam de volta
JLS
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